Redação Belterra
“Não há caminho possível sem reflorestamento em grande escala”
COM A PALAVRA, O INVESTIDOR

Johannes van de Ven é CEO da Good Energies Foundation, fundação privada dedicada a fomentar negócios de mitigação climática, restauração de ecossistemas e reflorestamento. Johannes já atuou no banco de investimento Bozano, Simonsen, nas áreas de private equity e venture capital; e na área de filantropia privada da Porticus América Latina. Johannes tem doutorado em Teologia Moral, Ética Empresarial e Economia de Desenvolvimento pela Universidade de Louvaina (Bélgica), fez cursos de pós-graduação na PUC-RJ e pesquisas acadêmicas na Amazônia brasileira. Atualmente, além de gerir a Good Energies, Johannes faz parte do Conselho do Arapyaú, do WRI Brasil e da SELCO Índia. A Good Energies Foundation é investidora da Belterra Agroflorestas e do Instituto Belterra.
BELTERRA: Johannes, você tem uma sólida carreira no mercado de investimentos e sustentabilidade. Quais evoluções você observou desde que começou a trabalhar nesta área?
De fato, observei grandes mudanças tanto durante a minha formação acadêmica, na década de 90, quanto em minha carreira profissional. Tive o grande privilégio de estudar na PUC-RJ com a turma que acabou desenhando e lançando o Plano Real. Igualmente marcante em minha formação, foi o evento Eco-92, até hoje considerada a maior conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável. A grande novidade desse evento foi o envolvimento do mundo empresarial nas questões ambientais. Lembro-me dos eventos no Aterro do Flamengo onde a vanguarda do empresariado mundial se manifestou a favor de uma virada verde. Depois da minha graduação, entrei no banco de investimentos Bozano, Simonsen, juntamente com o atual presidente do Banco Central, o Roberto Campos Neto. Nesta fase pude acompanhar de perto as privatizações da mineradora Vale do Rio Doce, das siderúrgicas Tubarão, Cosipa e Usiminas, das empresas de energia CELPA e CEMAT, e também da Embraer. Naquela época, a marca Brasil estava na moda no mercado financeiro.
BELTERRA: Você tem uma forte relação com o Brasil já há muitos anos. Como você acredita que o Brasil deve se posicionar frente às necessidades de investimentos e projetos mundiais relacionados ao compromisso de zerar as emissões de gases de efeito estufa?
Acredito e aposto muito no potencial gigantesco do Brasil. Isso não é apenas uma questão de formação ou paixão, mas também de ciência!
Não há caminho para manter o aumento da temperatura global entre 1,5°C e 2°C sem promover proteção e reflorestamento em grande escala na Amazônia.
E digo mais: uma Amazônia com floresta em pé e rios fluindo é o grande diferencial competitivo brasileiro no planeta. O Brasil demorou muito para valorizar os seus ativos naturais, que de fato são os mais valiosos do planeta. O agronegócio sabe muito bem que o desmatamento ilegal tanto na Amazônia como no Cerrado é um grande tiro no pé. Tanto a sociedade quanto as empresas brasileiras estão sendo penalizadas por desvalorizar os ativos naturais, especialmente em um contexto de crise ambiental. Se não virarmos logo essa triste página, perderemos também grandes oportunidades futuras.
BELTERRA: Como as grandes empresas e os bancos comerciais podem contribuir para o fomento de novas empresas de impacto?
Durante os meus sete anos trabalhando no banco de investimento brasileiro no Wall Street em Nova Iorque, aprendi como as empresas ou o grande capital podem ser parte do problema, ou da solução. Problema no sentido de contribuir para poluição da atmosfera e destruição de natureza. Solução no sentido de apostar em energia limpa, descarbonizar cadeias de valor e monetizar a natureza.
Os investidores têm um papel importantíssimo: se os bancos de investimento financiam hoje novas usinas a carvão, isso perpetua a poluição por décadas.
É crucial avançarmos na instituição de leis que tornem mais caro e difícil investir em indústrias poluidoras, e ao mesmo tempo favoreçam e tornem mais barato investir em negócios de regeneração e restauração.
BELTERRA: Quais oportunidades você vê para os investimentos de capital de risco e capital concessional no fomento de negócios de impacto?
Vejo um papel fundamental para esse tipo de investidores. O mundo tradicional de finanças ainda não vê com bons olhos, ou acha arriscado demais, apostar em energia limpa ou na natureza. Falta liquidez, legislação etc. Existe, portanto, uma grande oportunidade para a filantropia avançar com provas de conceito e estudos de viabilidade. Esse tipo de capital paciente tem um papel importante para criar novas classes de ativos e incubar novos empreendimentos. Uma vez estabelecida uma prova de conceito e mitigado o risco, os bancos comerciais, fundos de pensão, gestores de ativos, seguradoras e resseguradoras podem entrar com força total. Acho que estamos perto de um ponto de não retorno. Bancos de vanguarda já querem evitar ou vender ativos que tendem a perder valor no futuro por conta da destruição ou poluição. Eles já estão se posicionando para uma pegada de zero emissões líquidas.
Outra tendência é o surgimento de bancos de capital natural, envolvendo ativos naturais, como terras, produção agrícola etc. Depois de tantos escândalos com hipotecas e bolhas especulativas no mercado, existe uma tendência a se valorizar ativos reais. O preço da terra tem aumentado em quase todas as geografias do mundo. A pandemia tem acelerado muito essas tendências.
BELTERRA: O capital catalítico é muito importante para a redução do risco dos investimentos. Como você avalia a contribuição deste capital na bioeconomia da Amazônia?
O capital catalítico será crucial para ganharmos tempo e escala. Por um lado, não podemos resolver os desafios sociais e ambientais com caridade ou doação filantrópica. Por outro lado, o mercado financeiro ainda não trata esses desafios como “classe de ativos.” O capital catalítico - na forma de empréstimos concessionais, subsídios, garantias, conversíveis etc. - tem um papel crucial para impulsionar essa agenda.
Assim como a energia solar era considerada ficção científica há 20 anos e hoje é um mercado maduro. Da mesma forma, vejo os sistemas agroflorestais, a restauração de biomas, mangues e outros ativos naturais.
Eles serão cada vez mais valorizados e capitalizados. A vanguarda no mercado financeiro já está começando a estruturar operações que valorizam e precificam a biodiversidade, a maior riqueza da Amazônia. O Brasil precisa proativamente participar dessa nova arquitetura, pois tende a se beneficiar, e muito! E o mundo também agradece!
BELTERRA: Como as definições de capital interferem na consolidação dos princípios ESG no mercado?
Tudo começou com o movimento “Triple P” - people (pessoas), planet (planeta) e profit (lucro), que virou a onda ESG (ambiental, social, governança) e que também inclui a virada para zero emissões líquidas. Acredito muito que todas as mudanças favoráveis à estabilização do aquecimento global consolidam sim os princípios ESG no mercado. Ainda temos a tendência de “socializar” as perdas ambientais e “privatizar” o lucro. Hoje em dia, deveria haver uma tributação, um preço a ser pago pela poluição gerada, ou então um subsídio ou estímulo para regeneração, restauração e manejo sustentável. Demoramos demais para abraçar com mais rigor um pacto social pela valorização da natureza. Por exemplo,
É inacreditável que a Amazon.com, Inc. esteja avaliada hoje em torno de 1,5 trilhão de dólares americanos, enquanto a Floresta Amazônica, um bem global inestimável, seja tratada como se não tivesse valor.
O mercado financeiro precisa resolver urgentemente esse descompasso estrutural entre preço e valor.
BELTERRA: Como você vê a atuação da Belterra no contexto de desenvolvimento da Amazônia a partir de negócios de impacto?
Good Energies e Belterra compartilham uma visão do mundo. Já está embutido no próprio nome! Acho que a Belterra tem a fórmula ideal, pois não opera em um só nicho e uma só área. A atuação da Belterra gera muitos cobenefícios: além de restaurar terras degradadas, gera empregos, aumenta biodiversidade, valoriza terras, fortalece a segurança hídrica, a segurança alimentar, e assim por diante. A fórmula da Belterra não é apenas relevante, como é urgente para o Brasil e para o mundo todo, principalmente para os países no cinturão equatorial, que tem um clima parecido. Ou seja, Belterra não atua naquele formato fordiano do século passado, mas como cartão postal de um Brasil que dá certo.